Vulcões, Tsunami, Refinaria La Pampilla e Petroleiro Mare Doricum – Peru 2022

Autor: Carlos Sagrera, MSc. (Versão em português OceanPact) Representante da ISCO na América Latina (idioma espanhol)

Este Estudo de Caso aborda o maior incidente de derramamento de óleo em cenários marítimos e costeiros na América Latina no século XXI e as consequências ambientais e socioeconômicas relacionadas, tudo isso oferecendo uma importante oportunidade de aprendizado. Por esse motivo, e especialmente pelo gerenciamento subsequente do incidente por atores locais e internacionais, ele foi incluído como um Estudo de Caso no Seminário Internacional ISCO-OceanPact a ser realizado no Brasil (Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2023).

No sábado, 15 de janeiro de 2022, o navio-tanque Mare Doricum, de bandeira italiana e procedente do Brasil, estava descarregando sua carga de petróleo bruto brasileiro (28°2 API) no Terminal Multiboy No. 2 da Refinaria La Pampilla da Repsol (ISCO Bulletin N°822 – janeiro de 2022). Uma cadeia de eventos que começou na distante Tonga (a 10.000 km do Peru) resultou em danos a  um oleoduto e na perda de petróleo no ambiente marinho. A sequência final de eventos e as causas do incidente ainda estão sendo investigadas e, como de costume, as informações, memórias e pontos de vista das várias partes, com base em suas perspectivas

individuais, estão sendo reunidas e reconciliadas em investigações técnicas  e  processos  judiciais  que  provavelmente levarão  algum tempo para serem concluídos. Para o Estado peruano, por exemplo, está em jogo uma reivindicação de US$ 4,5 bilhões.    O derramamento de cerca de 11.900 barris de petróleo bruto intermediário gerou impactos ecológicos significativos em uma área rica em peixes e fauna marinha e que se estende por quase 100 km do litoral e das ilhas peruanas, incluindo parques protegidos ao norte da capital, Lima.

A análise deste artigo examinará três dos aspectos que serão desenvolvidos em profundidade no Seminário Internacional ISCO- OceanPact, por especialistas que estavam presentes no incidente.

Em primeiro lugar, algumas considerações sobre as causas. Até o momento, existem relatórios técnicos relevantes e sérios no Peru, ainda não tornados públicos, mas em posse da Promotoria Ambiental encarregada do caso, que analisam as versões das duas principais partes envolvidas e as contribuições de outros atores. Por parte do petroleiro Mare Doricum, entende-se que o derramamento foi causado por falhas na infraestrutura da boia múltipla (PLEM – sistema de coleta de fim de tubo; tubulações; mangueiras), que, de acordo com relatórios de especialistas, divergiu do projeto e do que foi realmente instalado (https://larepublica.pe/politica/actualidad/2023/01/06/repsol-peri taj e – detecta – q ue – t uberia – se- ro m pi o – por-fal l a – de-fabrica ).

A situação acima também é agravada, de acordo com a defesa da operadora  do  navio-tanque, pela  falta  de  reação  adequada  dos oficiais designados pela empresa no momento do incidente, o que é questionado   em   relação   à   sua   presença   a   bordo   e   à   sua especialização adequada, algo não regulamentado especificamente no Peru, que adere às regras gerais em uso no setor.

Por sua vez, a refinaria La Pampilla entende que a causa se deveu a um movimento anormal do navio, devido à forte ondulação (causada pela erupção vulcânica na ilha de Tonga no dia anterior, 14 de janeiro, às 23h27), o que teria feito com que o navio-tanque impactasse ou roçasse contra a boia múltipla e/ou sua infraestrutura, causando a quebra ou fragmentação do PLEM, o que implicou o vazamento “por impacto ou arrancamento do trem de mangueiras do navio”, que é apontado como a principal causa do vazamento.

A questão de um possível tsunami nunca foi reconhecida pela Autoridade Marítima Nacional (AMN – responsável no Peru por emitir os avisos correspondentes), para o que teve tempo de sobra, já que a erupção em Tonga ocorreu quase 18 horas antes das supostas ondas. Essa ondulação teria sido a causa do movimento repentino que inicialmente rompeu um dos cabos de amarração da boia e depois outros. As razões para esse não alerta no Peru estão detalhadas no relatório mais abrangente sobre o derramamento tornado público no Peru pelo Congresso da República em março de 2023 (Comissão de Povos Andinos, Amazônicos e Afro-Peruanos, Meio Ambiente e Ecologia –

 https:/ /leyes.cong reso. gob. pe/D ocu mento s/ 20 21 _20 2 6/Info rm es/C 

 omisi ones _Investi gad oras/OFIC I O – 7 58- 20 22- 20 23- CPA AAAE- CR . pdf ) 

Nele, a Autoridade é enfática ao apontar que “Na costa peruana não houve ondas anormais…”, mas houve “comportamentos incomuns do mar”, devido à “…presença de ondas anormais como consequência da  erupção vulcânica…” (sic).  Especificamente, ele afirma que “… essas variações não excedem a altura de 1 metro, e o Terminal Multiboy No. 2 pode operar com ondas de até 2 metros de altura” (sic). É geralmente aceito que houve picos acima da média naquele dia, mas com menos de 2 metros. Ele termina acrescentando que “… na baía de El Callao não havia ondas anormais no momento das operações, a altura era inferior a 0,5 metro” (sic). Essa é a posição oficial do Peru, conforme indicado pela AMN, como o estado afetado e em relação à causa do tsunami.

Com relação à reação a bordo dos atores, esse é um dos pontos mais discretos da investigação, envolvendo diretamente o Comandante e a tripulação, que enviaram cartas de protesto imediatamente após o incidente, bem  como  os  representantes delegados pelo  Loading Master e que estavam presentes no momento do incidente.

Como pode ser visto nos relatórios públicos e em todas as declarações das autoridades relevantes, as partes legais têm muito a argumentar de uma forma ou de outra, considerando também as múltiplas declarações de testemunhas e outros atores intervenientes.

Em segundo lugar, vamos analisar alguns aspectos interessantes da gestão inicial do controle do derramamento.

A primeira coisa a dizer é que esse incidente foi um desastre industrial com petróleo, intrínseco a essas atividades, e deveria ter sido contemplado nos riscos do Plano Nacional de Contingência (PNC). Infelizmente, esse plano não foi atualizado no Peru (original de 1993), de modo que as autoridades não puderam aplicá-lo e, em vez disso, ativaram um Plano Distrital, dimensionado para níveis de Nível II na área afetada, que essencialmente replicou o original em uma escala menor.

A questão é que, precisamente por causa dessa falta, houve atrasos na avaliação (em poucos dias o derramamento afetou cerca de 100 km da costa peruana), devido à escassez de informações e ao fato de que elas chegaram muito tarde e, em alguns casos, erroneamente dos principais atores e que, na ausência de informações precisas, eles minimizaram o evento, o que levou à intervenção das autoridades políticas peruanas que descreveram o incidente, com base nas reclamações públicas que surgiram nos dias seguintes, como “um dos maiores desastres ecológicos e ambientais dos últimos anos no Peru”.

Com bons esquemas e organização para lidar com desastres naturais, devido aos riscos inerentes ao Peru e ao atraso inicial por parte das autoridades responsáveis, foi tomada a decisão política de solicitar apoio técnico de várias agências das Nações Unidas. Com esquemas de reação rápida, há a presença imediata do PNUMA – OCHA, bem como do Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia, do Governo da Noruega e da Avaliação e Coordenação de Desastres das Nações Unidas (UNDAC). Além disso, especialistas de organizações reconhecidas internacionalmente e especializadas no controle de derramamentos (CEDRE, da França; ISPRA, da Itália; Norwegian Coastal Administration, da Noruega; Salvamento Marítimo, da Espanha, ativados por suas embaixadas).

Todas essas organizações descreverão posteriormente o incidente em seu relatório inicial, emitido e tornado público um mês após o evento, como “o pior desastre ecológico da história recente do Peru”  (https://www.actualidadambiental.pe/derrame-de-petroleo-na ciones – uni da s – e mitio – i nfor me- po r-verti miento – del – c r udo – en – mar-  perua no /).

Além das organizações acima, deve-se fazer uma menção especial à presença da ITOPF, por vários meses e até mesmo com seminários subsequentes sobre as lições aprendidas (ISCO Newsletter N°883 – abril de 2023), que, em seu papel de consultor de referência para proprietários de cargas de petróleo e para P&I de navios-tanque, terá um papel importante na assessoria à Autoridade Marítima Nacional no desenvolvimento da resposta.

Esta resposta teve muitos aspectos positivos depois de ter sido bem implementada, com o apoio da empresa REPSOL, que provavelmente formou um dos SCIs mais eficazes que a região já viu para este tipo de incidente. Apoio de OSROs como a Lamor Peru – www.lamor.com     –     e     COAM     –      https://coa mperu. com/      y https://compromisorepsol. pe/eric-stucchi/ – que se  encarregaram localmente da primeira resposta no mar, gerindo as embarcações e as autorizações iniciais para uma atividade nunca  realizada a esta escala no Peru e, no caso da Lamor, posteriormente com a sua ação de  limpeza  da  costa  sob  a  liderança  da  REPSOL;  Clean  Pacific (https://cleanpacificperu.com/) para as respostas posteriores no mar sob          a          gestão          direta          da          REPSOL;          OSRL (https://www.oilspillresponse.com/pt-br/) com técnicos com vasta experiência em derrames complexos para a difícil limpeza da costa e fornecimento de equipamento de primeira classe, e outras empresas especializadas em questões de Avaliação e Vida Selvagem (líderes mundiais como a OCC, ERM, AIUKA, etc.). A nível local, deve também referir-se que houve empresas peruanas locais envolvidas no trabalho titânico realizado para a limpeza costeira, às quais foram atribuídos sectores específicos da costa e que foram integradas no SCI pela REPSOL (https://compromisorepsol.pe/?utm_source=google_text) e  todas finalmente supervisionadas pela autoridade ambiental peruana.

A NOAA, a Guarda Costeira dos EUA e a OMI, que posteriormente apareceram no Peru, tiveram funções autônomas em relação às organizações anteriores, assessorando a OEFA (autoridade ambiental peruana), a AMN (DICAPI) e o Ministério das Relações Exteriores do Peru.

Não há dúvida de que essa foi a maior mobilização em termos de apoio internacional que um incidente de derramamento de óleo desse porte teve na América Latina neste século, o que foi positivo a longo prazo, mas a causa principal é justamente a falta de um Plano Nacional de Contingência atualizado e dimensionado de acordo com esse tipo de risco no Peru.

Se houvesse um plano adequado às circunstâncias, as próprias autoridades teriam tomado decisões imediatas e teriam se organizado, adquirindo os recursos materiais, equipamentos e pessoal  especializado adequados às  circunstâncias,  sem  ter  que esperar por opiniões de terceiros, que sempre levam tempo. No jargão do controle de óleo e derramamento, isso é chamado de desenvolvimento do  Quadro  Operacional Comum  e  é  o  que  se consegue quando um Plano Nacional de Contingência eficaz está em vigor.

Por fim, o terceiro e último aspecto a ser mencionado nesta análise refere-se a possíveis questões de cooperação com países vizinhos em relação a esse tipo de incidente, conforme promovido pela OMI (Art. 10 da Convenção OPRC 90 (https://www imo.org/en/OurWork/Environment/Pages/Pollution-Response.aspx).

O Peru é membro dessa Convenção da OPRC, assim como a maioria dos  países  latino-americanos, mas  não  possui  acordos  bilaterais específicos com os países vizinhos sobre a questão da poluição por petróleo, algo que é recorrente no continente por vários motivos, mas se fôssemos resumi-los em um termo, diríamos que é sempre a desculpa   e   a   incompreendida   soberania,   que   em   questões ambientais já está mais do que ultrapassada. Há algumas exceções ao que foi dito acima, como o MOU precursor entre Argentina- Uruguai (1992) e também o MOU entre México-EUA com o Mexus (https://www.glo.texas.gov/ost/spill-response- resources/additionaldocs/mexusplanspanish.pdf).

No entanto, há acordos entre os Estados Maiores das Marinha (que, na maioria dos países latino-americanos, são a Autoridade Marítima) e até mesmo acordos entre autoridades marítimas de fronteira, o que  também  é  promovido  em  nível  declarativo  pelo  ROCRAM (https://www.imo.org/en/OurWork/TechnicalCooperation/Pages/L AC.aspx).

Nesse último contexto, em anos anteriores, algumas atividades comuns foram realizadas em resposta a esse incidente com a participação de unidades da Guarda Costeira do Peru e do Equador, com o apoio de empresas de navegação em áreas de fronteira, para as quais as autoridades portuárias ativaram seu plano de contingência local (Puerto Bolivar – outubro de 2019).

Nesse incidente de derramamento no Peru, não houve cooperação direta com os países vizinhos do Peru, provavelmente devido à falta de tais acordos específicos, o que foi destacado pela IMO em seu relatório final sobre o incidente e sugeriu ao governo do Peru que planejasse replicar atividades de cooperação semelhantes com, por exemplo, o Chile. Da mesma forma, a OMI sugeriu ao Peru, após esse incidente, a possibilidade de considerar a ratificação de duas convenções com implicações ambientais e relacionadas a derramamentos de óleo, como a Convenção sobre Bunkers de 2001 (Convenção sobre Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo de Navios) e a Convenção sobre o Fundo com seus

Protocolos  Suplementares  de  1976  –  1992  –  2003  (Convenção Internacional sobre o Estabelecimento de um Fundo Internacional para Compensação por Danos Causados por Poluição por Óleo). No caso  da  Convenção  do  Fundo,  deve-se  observar  que  são  os importadores  de  petróleo  que  a  financiam  e  ela  complementa amplamente a cobertura dos armadores cobertos pela CLC, da qual o Peru é parte. Em relação à Convenção do Fundo, deve-se observar que  cinco  países  sul-americanos  fazem  parte  dela:  Argentina, Colômbia, Equador, Uruguai e Venezuela. No caso da Convenção sobre Bunkers, até o momento apenas o Panamá da região aderiu (https://www.imo.org/en/OurWork/Legal/Pages/LiabilityAndComp ensation.aspx).

Os três aspectos descritos aqui neste Estudo de Caso do incidente no Peru fazem parte dos tópicos a serem apresentados no Seminário ISCO-OceanPact (ISCO Newsletter N°887 – abril de 2023), que incluirá as lições aprendidas, e de fato houve lições aprendidas, bem como as opiniões de especialistas internacionais. Nesse sentido, foi confirmada a presença do prestigioso CEDRE da França (https://wwz.cedre.fr/en), coautor de referência do Relatório inicial da ONU já mencionado, bem como a presença da AIUKA do Brasil (https://aiuka.com.br/) com seu papel fundamental e que liderou todo o trabalho de recuperação da fauna contaminada no Peru, no que é considerado uma das melhores operações de resgate desses animais que foi realizada na América Latina com esse tipo de incidente.

As vozes mais reconhecidas e prestigiadas do Brasil no campo do controle de derramamento de óleo garantiram sua participação e os convites foram estendidos a outras organizações (OMI, ITOPF), que estão avaliando sua participação, de acordo com suas prioridades, de modo que esperamos incorporá-las gradualmente a um Programa que está evoluindo.

Uma mesa redonda final permitirá o intercâmbio com os especialistas e a resposta às perguntas dos participantes sobre este Estudo de Caso, após o que se espera terminar com conclusões que permitam à América Latina entender e aprender sobre o gerenciamento desses riscos, sobre prevenção e resposta, de acordo com os tempos atuais que exigem transparência da indústria petrolífera e marítima e, das autoridades envolvidas, objetivos e eficácia para sua implementação.

Os interessados em conhecer os detalhes do Programa podem acessar as informações no site da ISCO https://spillcontrol.org/isco- oceanpact-brazil-international-seminar/ e se inscrever para participar diretamente no site do OceanPact: https://oceanpact.com/isco-seminar-brazil-2023/.

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